Despoluição do Rio Pinheiros devolve dignidade e dá vida a sonhos que outras gerações não puderam realizar

Quando chegou à Vila das Pratas, na zona sul da cidade de São Paulo, há 37 anos, Irene Angelo da Silva mudou-se para um barraco com o marido, com quem criaria seus três filhos à margem de um córrego com esgoto a céu aberto, o Zavuvus. O cheiro de esgoto era insuportável.

Aos 54 anos, o bairro que hoje ela considera ter se transformado em “um paraíso”, perto do que encontrou nos anos 80, precisou passar por uma grande transformação.

A comunidade Vila das Pratas está inserida na região do distrito de Cidade Ademar, localidade com um dos mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano da capital.

Com investimento de mais de US$ 330 milhões, o programa Novo Rio Pinheiros, que promoveu a despoluição do rio que corta 25 quilômetros da cidade de São Paulo e é cercado por uma marginal por onde passam, diariamente, mais de 350 mil veículos, começou pelo córrego Zavuvus, o primeiro a abastecer o rio Pinheiros.

Agora, na região, mais de 7.000 residências contam com saneamento básico e moradores têm a oportunidade de explorar novas  fontes de renda e experiências com familiares. O programa do Governo do Estado de São Paulo, sob a coordenação da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente, foi executado pela Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), e contou com o financiamento da IFC – International Finance Corporation, membro do Grupo Banco Mundial.

Irene Angelo da Silva

Irene Angelo da Silva

Irene Angelo da Silva

Vila das Pratas

Bairro em São Paulo

Bairro em São Paulo

As obras para despoluição do rio começaram em 2019. Até o fim de 2022, 280 quilômetros de rede de esgoto foram instalados e o esgoto de 2 milhões de habitantes deixou de ser despejado em todo o rio Pinheiros. Apenas no córrego Zavuvus, 173 mil moradores das comunidades da zona sul foram beneficiados, entre eles pessoas como Irene, que deixou no passado o esgoto a céu aberto e a insalubridade.

Irene Angelo da Silva e sua neta pegando livros na “geloteca”

Irene Angelo da Silva e sua neta pegando livros na “geloteca”

“Meus filhos não tiveram infância, meus netos agora têm”, diz Irene. Dos mais de 650 mil imóveis beneficiados direta e indiretamente pelo programa Novo Rio Pinheiros, 7.800 estão na Vila das Pratas, onde moram cerca de 25 mil pessoas. Irene abriu um novo negócio, e comemora o fato de cozinhar sem cheiro de esgoto e de os netos brincarem sem riscos.

Com essas obras, Irene deixa para trás traumas que acompanharam a infância de seus filhos.

“No fim de semana, quando meus filhos não estavam na creche, ficavam trancados dentro de casa. Eu tinha medo de sair para a feira, para a igreja ou visitar uma tia que morava mais longe, com medo de eles caírem no córrego. Inclusive, andando de bicicleta, minha filha caiu no córrego e todos riram dela”, lembra Irene.

O entorno da casa de Irene começou a mudar há dez anos, com obras de canalização do córrego feitas a partir da parceria do líder comunitário Daniel dos Reis com a subprefeitura da região. Essas obras, conta ela, movimentaram todos os moradores.

Mas foi só a partir de 2019, com o início do programa Novo Rio Pinheiros, que a família começou a colher os benefícios de uma casa com saneamento básico.

Toda a obra para a despoluição do rio Pinheiros recebeu um investimento de mais de US$ 330 milhões e contou com o apoio da IFC. A instituição tem, entre seus objetivos, combater a pobreza e promover o desenvolvimento sustentável em países emergentes.

Com o investimento, foi possível executar obras de saneamento básico e levar coleta de esgoto até a porta das comunidades, limpar 25 córregos que desembocam no rio Pinheiros e implementar cinco das chamadas unidades de recuperação das águas dos córregos (que tratam o esgoto residual).

Os benefícios do projeto vão além da melhora da qualidade de acesso à água e esgoto da população e da despoluição do rio Pinheiros. A melhora da infraestrutura dos serviços fornecidos pela Sabesp impacta na redução da pobreza, na saúde pública e no cuidado com o meio ambiente e o clima.

O programa possibilitou a geração de renda no projeto Mulheres do Saneamento, ação que contratou mulheres que moram em comunidades beneficiadas pelas obras para trabalhos de conscientização ambiental durante as obras. Cooperativas de catadores de materiais recicláveis, que receberam formação e equipamentos de proteção e segurança, também tiveram aumento de suas rendas com as ações sociais que integraram o programa de despoluição.

Além das obras de saneamento, o córrego Zavuvus, que tem 7,8 quilômetros de extensão, recebeu boias que têm a função de conter o lixo para que ele não chegue até o rio Pinheiros.

Com a conclusão do processo de despoluição, a margem do rio está mais agradável para o lazer e turismo, um dos objetivos do programa. Agora, aqueles que circulam pelos seus mais de 21 quilômetros de ciclovia se beneficiam com a redução do mau cheiro. Há, ainda, a expectativa de que no futuro o rio seja utilizado para o transporte por meio de barcos.

A meta do programa, de garantir que a demanda bioquímica de oxigênio (DBO) fique até 30 mg/l já foi atingida em todo o córrego Zavuvus e em 85% do curso do rio Pinheiros, de acordo com levantamento de 2022. A DBO é um dos principais índices de avaliação de poluição orgânica e avalia, de forma simples, como está a “respiração” do rio na sua superfície.

Hoje, Irene mora com seu marido no mesmo endereço para o qual se mudou há 37 anos, mas em uma casa construída com tijolos, muitos sonhos e muito trabalho.

Os três filhos — uma mulher e dois homens —  e seus netos atualmente moram à sua volta e são todos vizinhos na Vila das Pratas. Na casa da avó Irene, há espaço, conforto e comida para as reuniões de família.

Irene Angelo da Silva e seu neto comendo um lanche em casa

Irene Angelo da Silva e seu neto comendo um lanche em casa 

Irene Angelo da Silva e seu neto comendo um lanche em casa 

“Aos domingos, eu tinha vergonha de chamar as minhas tias e minhas primas que moram longe para almoçar na minha casa. Porque eu faço uma comida gostosa, mas ficava o cheiro de esgoto pela casa, era insuportável. Depois das obras, agora minha casa fica cheirosa de verdade depois da limpeza, faço uma comida bem temperada, e posso convidar a minha família toda”, diz Irene.

Irene Angelo da Silva em casa

Irene Angelo da Silva em casa

Irene Angelo da Silva em casa

Com a rua cimentada e com uma casa abastecida pelas obras de saneamento, Irene, que perdeu o emprego em 2020, abriu um negócio próprio, algo impossível de se cogitar antes: um bar na garagem de casa.

Bebidas, salgados e doces são vendidos para os vizinhos, que ocupam a rua aos finais de semana. “O meu novo negócio vem complementar a renda da casa e ajudar meu marido, que trabalha como porteiro e eu trabalho porque também gosto de ter o meu dinheirinho”.

Beco em São Paulo

Beco em São Paulo

Beco em São Paulo

Bairro em São Paulo

Bairro em São Paulo

Bairro em São Paulo

Rio Pinheiros

Rio Pinheiros

Rio Pinheiros

O rio é logo ali

Mesmo morando longe das margens do rio Pinheiros, Irene se sente responsável pela despoluição e manutenção de suas águas e reconhece o rio como extensão da sua casa.

“Hoje eu vejo o rio limpo, sem sujeira, sem mau cheiro. A gente vê até os peixinhos aparecendo. Antigamente a gente não via por causa da sujeira. Por isso, eu digo aqui: quando alguém pegar o lixo, não jogue no rio, nem no bueiro. O lixo entope e vai fazer mal para a nossa comunidade e para o rio Pinheiros”, ilumina Irene.

A conscientização da moradora também é reflexo dos projetos ligados ao programa Novo Rio Pinheiros. Desde 2019, a Vila das Pratas também recebeu ações educativas, como a instalação de uma biblioteca construída a partir de uma geladeira, batizada de “geloteca”, e rodas de leitura voltadas para as crianças e organizadas pela coordenadora de projetos socioambientais do projeto Zavuvus, Patrícia Cidade.

Moradores do bairro Vila das Pratas, em São Paulo

Moradores do bairro Vila das Pratas, em São Paulo

Moradores do bairro Vila das Pratas, em São Paulo

O bairro após o programa de despoluição

O bairro após o programa de despoluição

O bairro após o programa de despoluição

Planos para o futuro

“O que espero para a comunidade é que as crianças continuem a receber livros e que o campinho seja reformado. Meus filhos e vizinhos gostam de jogar bola e o campinho é o lugar que eles têm para se divertir”, pede a moradora da Vila das Pratas.

Um dos filhos de Irene, Luiz Fernando da Silva, inclui o filho Bryan no que a mãe espera para a comunidade: “O sonho do meu filho é ser jogador de futebol, coisa que antigamente eu não pude ser, porque não tinha espaço para a gente jogar e hoje as obras deram uma melhorada no bairro e posso dar um suporte para ele”.

Crianças jogando futebol no bairro

Crianças jogando futebol no bairro

Entre todas as conquistas que a obra de saneamento básico trouxe para sua vida e de sua família, Irene celebra principalmente as possibilidades e sonhos.

“Agora moramos em um lugar decente. O que meus filhos não tinham naquele tempo, meus netos vão ter. Já têm. Para o futuro, quero meus netos na faculdade, com um bom estudo e, quando os filhos deles nascerem, as coisas vão ser ainda melhores”, diz Irene.

Para além do amor e dedicação à família, Irene faz questão de reconhecer o trabalho do líder comunitário Daniel dos Reis. Para ela, todas as conquistas da comunidade passam pela luta de Daniel.

“O Daniel está com a gente e lutando pela nossa comunidade desde que chovia, enchia o córrego e não tinha por onde a água sair. Nós devemos muito ao trabalho dele”, afirma Irene.

Daniel dos Reis, o líder comunitário da Vila das Pratas tem 57 anos e desde os 15 está à frente da comunidade.

O líder comunitário Daniel dos Reis

O líder comunitário Daniel dos Reis

O líder comunitário Daniel dos Reis

“Para nós, lideranças, essas obras são uma vitória, porque os moradores não vão ter mais aquele mau cheiro em casa, as crianças não vão mais ficar em cima do córrego a céu aberto e não há mais a questão do alagamento”, lembra Reis

Ele conta que, em uma das enchentes, foi preciso quebrar uma parede da entrada da comunidade para o escoamento da água.

Depois das obras, Daniel e os moradores não têm mais medo de que a água do córrego e do esgoto entre nas suas casas durante as chuvas e, consequentemente, todos têm mais saúde e qualidade de vida.

“O que está acontecendo aqui na comunidade Vila das Pratas, nós queremos como exemplo para outras comunidades. O que eu tenho a dizer para as outras lideranças comunitárias é que acreditem na sua luta. Só a luta muda a vida”, diz Reis.

Eles voltaram a dançar

A exatos dois quilômetros da casa de dona Irene, o programa Novo Rio Pinheiros proporcionou a volta às pistas de dança a idosos da Vila Joaniza — outra comunidade cortada pelo córrego Zavuvus.

Outra líder comunitária, Terezinha Souza Dantas, venceu um concurso dentro do programa e recebeu, como prêmio, a reforma da sede da Sociedade Amigos Unidos de Vila Joaniza, uma associação que recebe centenas de pessoas mensalmente para aulas de dança, artesanato, inglês e alfabetização de adultos.

O espaço, antes tomado por goteiras, por “paredes caindo aos pedaços e banheiros horrorosos”, como a líder comunitária aponta, passou por obras durante um ano e, hoje, dá nova vida às pessoas que frequentam e à própria Terezinha.

Além das aulas, a associação voltou a ser palco de um baile da terceira idade.

“Antes, não conseguíamos mais fazer o baile dos idosos, porque era muita goteira. Tem até uma senhora que dizia que era para colocarmos guarda-chuvas virados para cima para segurar as goteiras. Depois das obras, temos baile todos os sábados e devolvemos o espaço e a convivência a esses idosos”, festeja Terezinha.

As obras do programa Novo Rio Pinheiros também impactaram a presença dos alunos nas aulas que acontecem ao longo da semana no espaço. Antes, quando chovia, os alunos faltavam porque não conseguiam atravessar o córrego por conta das inundações.

“Hoje nossos alunos já não faltam mais e têm condições de transitar porque não tem mais alagamento aqui na região, principalmente do córrego Zavuvus”, diz Terezinha.

Terezinha, que está na associação desde os anos 90 e se tornou líder em 2014, reconhece que cuidar da comunidade é uma troca que a mantém viva: “Eu cuido dos outros e acabo cuidando de mim mesma”.

Terezinha Souza Dantas na porta de sua casa

Terezinha Souza Dantas na porta de sua casa

Terezinha Souza Dantas na porta de sua casa

A história foi publicada em março de 2023

Fotos e vídeos fornecidos pela IFC