Injetando resiliência no setor de saúde brasileiro  

As lições aprendidas durante a pandemia levaram o maior mercado de saúde da América Latina a criar centros regionais de produção, reduzir a dependência de importações e gerar empregos em nível local. 

pharmaceutical practices Brazil

Foto: Eurofarma 

Foto: Eurofarma 

Quando a pandemia da COVID-19 atingiu o Brasil em março de 2020, Maria del Pilar Muñoz Semitiel talvez ainda não soubesse o nível do impacto que a pandemia causaria, mas sabia que a sua empresa farmacêutica precisava agir rapidamente.  

“Sem dúvida a pandemia da COVID-19 foi um dos maiores desafios que a humanidade já enfrentou”, disse Maria del Pilar, que é Vice-Presidente de Sustentabilidade e Novos Negócios da Eurofarma, empresa brasileira fabricante de  de medicamentos controlados. “Ninguém tinha ideia de qual seria o impacto na sociedade e na economia, e não tivemos tempo para [pensar em] uma solução.”  

Maria del Pilar Muñoz Semitiel. Foto: Eurofarma. 

Maria del Pilar Muñoz Semitiel. Foto: Eurofarma. 

Ao mesmo tempo em que Maria del Pilar colocou o maior número possível de funcionários para trabalhar de casa, contratou centenas de trabalhadores temporários e investiu na expansão das linhas de produção, a Eurofarma se adaptou rapidamente à crise que crescia de forma acelerada. Outras empresas da área da saúde no Brasil também tiveram que agir rapidamente, já que, em 21 de março de 2020, a COVID-19 já tinha se espalhado com rapidez para todos os estados do Brasil.  

A Fitesa também sabia que estava correndo contra o relógio, de acordo com Mariana Mynarski, Gerente de Marketing Global da empresa. A Fitesa é uma das maiores fabricantes mundiais de matérias-primas de não-tecidos vendidas a outras empresas para serem usadas em equipamentos de proteção individual (EPIs) de uso médico, como máscaras faciais e aventais cirúrgicos. Para atender à demanda crescente por esses produtos para salvar vidas, a empresa aumentou imediatamente a sua produção, fabricando matérias-primas suficientes para 40 milhões de máscaras faciais e 8 milhões de aventais cirúrgicos.  

Assim como a COVID-19 colocou à prova a capacidade da Eurofarma e da Fitesa de atender aos brasileiros exatamente no momento em que a população mais precisava de produtos e serviços de saúde, a pandemia testou a resiliência de todo o setor brasileiro de saúde. Embora diversos outros países tenham enfrentado escassez de EPIs, produtos farmacêuticos e de vacinas, a alta demanda por esses itens trouxe desafios específicos para o Brasil devido à dependência da importação do setor de saúde.  

Dentre as lições que o Brasil aprendeu está a como “investir com antecedência” para que esse setor possa se tornar mais resiliente, de acordo com Mariana. Com planos para centros regionais de produção para expandir a disponibilidade de medicamentos a nível local e gerar milhares de empregos, o setor de saúde do país visa reduzir a dependência de importações e aumentar a capacidade de resistir a crises futuras, segundo ela.   

No intuito de apoiar os fabricantes brasileiros à medida que aumentavam a produção local de matérias-primas para EPIs, componentes de vacinas e outros medicamentos essenciais, a IFC lançou uma séria de iniciativas de financiamento e programas que ofereceram assistência técnica para a Eurofarma, a Fitesa e a União Química, empresas estabelecidas no setor de saúde brasileiro, bem como para outras empresas que estavam enfrentando os desafios da COVID-19. 

Essas parcerias com o setor privado fizeram parte da Global Health Platform (GHP) da IFC, uma plataforma de financiamento de US$ 4 bilhões para mobilizar investimentos privados, visando diminuir as lacunas no fornecimento de serviços de saúde, além de apoiar os países emergentes com o objetivo de fortalecer a sua resiliência diante de futuras pandemias ou outras necessidades cruciais no âmbito da saúde.  

Ao mesmo tempo em que reduz a dependência de importações, também se espera que o investimento no setor de saúde do brasileiro impulsione o crescimento econômico, gere empregos e incentive os fabricantes locais a se tornarem mais ecológicos, reduzindo os resíduos plásticos e as emissões de gases de efeito estufa durante a produção. 

“Ao ajudar os países em desenvolvimento a melhorar as suas próprias capacidades, estamos preparando esses países para lidar com as crises de saúde pública a longo prazo”, comenta Tomasz Telma, ex-diretor sênior do setor de produção, agronegócios e serviços da IFC. “Isso também promoverá o investimento e a geração de empregos à medida que essas economias se recuperam”.  

Maria del Pilar Muñoz Semitiel. Foto: Eurofarma. O setor de saúde do Brasil depende há muito tempo de importações, mas isso está começando a mudar. Foto: União Química 

Maria del Pilar Muñoz Semitiel. Foto: Eurofarma. O setor de saúde do Brasil depende há muito tempo de importações, mas isso está começando a mudar. Foto: União Química 

Reduzir as importações significa reduzir a vulnerabilidade 

À medida que a COVID-19 se espalhava pelo mundo, poucos governos estavam preparados para atender à demanda de materiais para salvar vidas. Isso não foi diferente na América Latina. Por exemplo, em um estudo feito no Brasil, Colômbia e Equador, apenas 20% dos funcionários de hospitais relataram ter EPIs adequados e suficientes em 2020. 

De acordo com estatísticas do governo divulgadas na época, o país dependia de importações da Índia para 90% dos produtos médicos em 2020. Em junho de 2021, o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos declarou que somente 5% dos componentes essenciais de qualquer vacina (insumos farmacêuticos ativos, ou IFAs) eram fabricados no país.  

Depender de importações de matérias-primas e insumos para a produção farmacêutica deixou o setor de saúde do Brasil vulnerável a problemas na cadeia de suprimentos e à inflação dos preços.  

“As recentes interrupções e insuficiências na cadeia de suprimentos evidenciaram a importância de aumentar a capacidade local de fabricação e de distribuição de suprimentos e medicamentos, visando melhorar a resiliência do setor de saúde e fornecer produtos e serviços de qualidade e acessíveis à população brasileira”, disse Carlos Leiria Pinto, gerente-geral da IFC no Brasil.  

Os desafios tinham várias facetas. “Além de enfrentar a pandemia e todas as suas consequências, tivemos outras adversidades, como o impacto da taxa de câmbio, as dificuldades na aquisição de matérias-primas e a cadeia logística”, disse Maria del Pilar Muñoz. “Considerando que o Brasil é pequeno em comparação com o mercado farmacêutico total, [é um] desafio poder abastecer grandes mercados para garantir a escala.”  

A fim de aumentar o fornecimento de EPIs, a IFC investiu US$ 37 milhões na Viveo, uma das maiores produtoras e distribuidoras de suprimentos médicos e medicamentos no Brasil. A empresa garantiu o acesso a produtos médicos importados para os hospitais e criou uma unidade de fabricação de máscaras faciais no sul do Brasil em apenas alguns meses. Para viabilizar a produção local de EPIs, a IFC também forneceu US$ 50 milhões para a Fitesa, o que ajudou a empresa a elevar em cerca de 20.000 toneladas por ano a produção de matérias-primas para máscaras cirúrgicas, aventais hospitalares e outros EPIs.  

Esse investimento está permitindo que a Fitesa “invista com antecedência”, conta Mariana Mynarski. “Nós fornecemos as matérias-primas para tudo que é usado na fabricação das máscaras faciais, tanto o filtro quanto as camadas externas, bem como os materiais para os aventais e campos cirúrgicos”, diz Mariana. O equipamento utilizado para produzir as matérias-primas é “o mais moderno” do mercado nacional. “Dessa forma, estamos investindo com antecedência [em relação à concorrência e à demanda futura]”.  

Os centros regionais de produção para expandir a disponibilidade de medicamentos locais têm o potencial de criar milhares de empregos. Foto: União Química.

Os centros regionais de produção para expandir a disponibilidade de medicamentos locais têm o potencial de criar milhares de empregos. Foto: União Química.

Dando uma chance às empresas locais 

A falta de vacinas no Brasil foi outro ponto preocupante durante a COVID-19. O atraso nas entregas de IFAs da China desacelerou significativamente as taxas de vacinação no Brasil, mas houve outros problemas com a distribuição de vacinas no Brasil após o início da vacinação contra a COVID-19 em 18 de janeiro de 2021. 

Conforme os leitos hospitalares no Brasil se esgotavam e as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) ficavam lotadas de pacientes com COVID-19, várias capitais, como Cuiabá e Campo Grande, tiveram que interromper as campanhas de vacinação devido à falta de vacinas durante um dos ápices da pandemia em fevereiro de 2021.  

Os investimentos da IFC na fabricação de vacinas no Brasil buscam evitar que haja uma escassez como essa no futuro. A parceria da IFC com a empresa farmacêutica brasileira União Química prevê um investimento de R$ 330 milhões (equivalente a US$ 65 milhões) para que a União Química possa renovar e equipar a sua fábrica em Brasília, de modo que a empresa farmacêutica possa produzir vacinas em grande escala e, potencialmente, os ingredientes ativos das vacinas contra a COVID-19. 

O investimento também permitiu que a União Química estabelecesse uma nova linha de produção, com potencial para fabricar 400 milhões de doses de vacina por ano. “O investimento da IFC deu à nossa empresa mais possibilidades de expansão no mercado local”, comenta Fernando Marques, Presidente da União Química.  

Além da necessidade de mais vacinas, a demanda por produtos farmacêuticos também continua alta: um estudo feito pela Confederação Nacional de Municípios em maio de 2022 mostrou que 80% das cidades brasileiras enfrentavam escassez de produtos farmacêuticos. 

O empréstimo de US$ 150 milhões da IFC permitirá que a Eurofarma contribua para diminuir esse déficit. O investimento ajudará a construir uma fábrica de 280 mil metros quadrados em Montes Claros, Minas Gerais, que expandirá a produção de antibióticos e outros medicamentos. Quando estiver em plena capacidade operacional, a produção por ano deverá ultrapassar 100 milhões de doses para distribuição na América Latina, de acordo com Maria del Pilar Muñoz.  

A nova fábrica da Eurofarma foi projetada para atender às demandas do crescimento previsto pela organização, tanto nas operações no Brasil quanto nas internacionais. Maria del Pilar acredita que a empresa pode fabricar produtos farmacêuticos para os maiores mercados do mundo com a nova unidade de Montes Claros. Ela espera que Montes Claros siga o mesmo caminho da principal fábrica da Eurofarma em Itapevi, que recebeu em 2022 a certificação da Food and Drug Administration dos EUA.  

Assim como o aumento da produção com a nova fábrica da Eurofarma em Montes Claros, esse avanço ajudará os fabricantes locais a alcançar mais mercados no Brasil. “Nossa equipe de mais de 4.000 pessoas atende a mais de 98% dos municípios brasileiros”, afirmou Maria del Pilar.  

Segurança econômica, sustentabilidade ambiental  

De acordo com uma pesquisa da IFC, os investimentos no setor de saúde demonstraram ter um impacto positivo e de longo prazo nas economias emergentes.  

“Esforços como esses não só promovem a segurança da saúde a longo prazo”, afirmam por escrito Farid Fezoua, da IFC, e Juan Pablo Uribe, do Banco Mundial. “Eles também promovem a economia de um modo mais geral, atraem talentos qualificados para a região, promovem a educação superior para garantir que os alunos tenham empregabilidade nesses setores e dão suporte a cadeias de suprimentos mais confiáveis que, por sua vez, contribuem para uma produção mais avançada que dá alicerce ao desenvolvimento econômico”.  

Também se espera que a expansão do setor de saúde no Brasil beneficie a economia local. A Eurofarma prevê que a nova fábrica de Montes Claros gerará 600 empregos diretos e 1.500 empregos indiretos.  

O aumento dos investimentos no setor brasileiro de saúde também favorece a sustentabilidade ambiental. A Fitesa, por exemplo, está trabalhando para reduzir dois dos maiores impactos ambientais na sua cadeia de suprimentos: os resíduos plásticos dos EPIs descartáveis, como máscaras faciais e aventais cirúrgicos, e as emissões de gases de efeito estufa das máquinas nas suas fábricas.  

“Quando diminuímos os resíduos, também estamos diminuindo o impacto [ambiental]”, disse Mariana Mynarski.  

Para fortalecer a sustentabilidade, a Fitesa começou a oferecer materiais não-tecidos com base biológica em 2013. “Há muitos anos trabalhamos com polímeros biológicos nas nossas matérias-primas. Pela primeira vez, nossos clientes estão usando materiais biológicos para produzir produtos de saúde”, como máscaras faciais, afirma Mariana. 

À medida que os executivos do setor de saúde do Brasil olham para o futuro, com foco em novas soluções e em um sistema de produção de saúde mais fortalecido, eles não se esqueceram da crise da COVID-19. Apesar da dimensão da catástrofe, o setor da saúde nacional se adaptou para preservar a vida dos seus cidadãos, segundo Maria del Pilar Muñoz.  

“A pandemia da COVID-19 evidenciou a importância do setor da saúde”, diz ela, destacando que “resiliência e prevenção” são cruciais para todos os setores. A principal lição aprendida? “É essencial antecipar os cenários." 

A nova linha de produção da Fitesa. Foto: Fitesa.

A nova linha de produção da Fitesa. Foto: Fitesa.

Publicado em Outubro 2023